Após
cinco anos de debates e demoras, o projeto de lei (PL) que implementa o
Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT) e o Mecanismo
Preventivo Nacional (MPN) foi finalmente enviado ao Congresso Nacional.
Previsto no Protocolo Facultativo à Convenção da ONU contra a Tortura,
tratado ratificado pelo Brasil em 2007, o PL só foi assinado pela
Presidenta da República, no dia 29 de setembro de 2011, por ocasião do
término da visita ao Brasil do Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU,
órgão internacional que interpreta o Protocolo Facultativo e monitora a
implementação do tratado.
Normalmente,
o envio desse PL seria razão para celebrar um passo importante dado
contra a tortura no país. No entanto, por vontade do Palácio do
Planalto, o projeto enviado ao Congresso Nacional sofreu alteração
significativa de última hora em relação à sua redação original. A
mudança deixou a marca de um ranço autoritário no texto e minou a
independência funcional que seria garantida aos novos órgãos de
prevenção à tortura.
De
fato, às vésperas de o projeto ser encaminhado ao Congresso, o Palácio
do Planalto alterou o texto do PL negociado durante anos para adotar um
modelo centralizado cuja nomeação dos membros do Comitê agora fica a
cargo de uma só pessoa: a (ou ‘o’) Presidente da República. O Comitê tem
papel central na nomeação dos membros do Mecanismo. O texto anterior do
PL previa uma seleção dos membros do Comitê através de um processo
público e participativo, conforme os Princípios Relacionados ao Status
de Instituições Nacionais (Princípios de Paris), como sinaliza o tratado
da ONU.
A
sociedade civil repudia essa manobra política de última hora dada pelo
Palácio do Planalto e prepara uma denúncia sobre o fato ao Subcomitê da
ONU.
O
processo de seleção que estava previsto na redação inicial do PL tinha
precedentes; por exemplo, em nível estadual, os recém criados Comitê e
Mecanismo de prevenção da tortura no Rio de Janeiro foram compostos
através de um processo público e participativo desenhado para comportar
com os requisitos do tratado da ONU.
O
processo de nomeação público e participativo que estava contemplado na
antiga redação do PL garantiria a independência funcional dos dois
órgãos nacionais, que têm como função respectivamente, elaborar e
acompanhar a política de prevenção e combate à tortura no Brasil e
monitorar os locais de privação de liberdade em sentido amplo: prisões,
estabelecimentos para adolescentes, hospitais psiquiátricos. As
instituições também devem contar com uma série de prerrogativas, entre
elas a independência financeira, a imunidade de seus membros durante o
mandato, e o livre acesso a qualquer local de privação de liberdade sem
prévio aviso, podendo
entrevistar pessoas coletiva e privadamente e acessar todos os registros
pertinentes aos privados de liberdade. Portanto, devem ser compostos
por qualquer pessoa ou grupo que preenche determinados requisitos
mínimos relevantes à função, livres de qualquer recurso ao
apadrinhamento ou à pressão política ou mesmo à corrupção.
Como
o Brasil ratificou o tratado em 2007, o país se comprometeu a criar uma
instituição nacional (ou um grupo de instituições) para monitorar
locais de privação de liberdade (denominado “mecanismo nacional de
prevenção”) dentro de um ano dessa ratificação. O país já não honrou
esta obrigação, passados mais de quatro anos. Agora, além de
tardiamente, o governo federal apresenta esse projeto como uma vitória
para os direitos humanos, apesar da manobra contra a independência real
do mecanismo nacional de prevenção.
Garantias
reais de independência do Comitê e Mecanismo, inclusive durante
processos de seleção, são fundamentais para cumprir com o Protocolo
Facultativo à Convenção Internacional contra a Tortura. O tratado
especifica que, “[o]s Estados Partes devem garantir a independência
funcional dos mecanismos nacionais de prevenção, assim como de seus
funcionários” e aponta que o desenho do “mecanismo nacional de
prevenção” deve levar em conta os Princípios de Paris. Ano passado, o
Subcomitê da ONU que interpreta o tratado, esclareceu ainda que:
El
mecanismo nacional de prevención se creará mediante un procedimiento
público, transparente e inclusivo en el que participe un grupo
ampliamente representativo de las partes interesadas, en particular la
sociedad civil. Este mismo tipo de proceso debe emplearse en la selección y el nombramiento de los miembros del mecanismo nacional de prevención, que deben ajustarse a criterios hechos públicos. (grifo nosso)
A
sociedade civil está ciente da manobra dada pela Presidência da
República e a repudia. Informaremos o Subcomitê da ONU e exigiremos a
modificação do texto para sua versão original.
Pastoral Carcerária Nacional
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